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21/03/2013

Quando a ficha caiu



Fiquei um tempo pensando por onde começar essa história e vi que pra onde meu pensamento corresse, tudo começava com a minha mãe. Ela se casou com 19 anos, com um homem de 31 anos. Ambos pernambucanos, mas ele já tinha ido ganhar a vida em São Paulo. E tinha ganho alguma coisa até aquele momento. Ele tinha estudado até a quarta série e era comerciante. Ela cursava o 2° ano do magistério, mas teve que se mudar pra São Paulo, com a promessa de continuar os estudos por lá. Nunca terminou. Eu nasci 9 meses depois do casamento e fui filha única por 3 anos e 8 meses. Aí nasceu minha irmã. Três mulheres e um homem, mas enquanto ele esteve presente, a palavra dele foi soberana.

Eu tive uma infância muito boa, extremamente privilegiada, não tenho do que me queixar. Meu pai, por muitos anos foi meu herói. Hoje eu sei que ele era muito machista e que tinha vários defeitos, mas apesar disso ele tentava ser minimamente justo. Conversava muito comigo, tentava me explicar as coisas que eu não entendia do ponto de vista dele. De todas as nossas conversas sobre homens e mulheres, a que mais me marcou é esta que relato abaixo.  

Meu primo mais velho que eu, quase uns 10 anos, tinha uma namorada que todas nós - eu, minha irmã, minha prima - gostávamos muito. Aí ele se interessou por uma outra moça que morava na minha rua. Começou a fazer várias visitas ao meu pai dia de semana. Um dia fui no portão falar com meu pai e vi que meu primo estava lá, mas não na nossa calçada e sim na calçada da vizinha. Fiquei tentanto entender o que ele fazia lá e quando entendi disse logo que ia contar tudo pra namorada dele. Meu pai entrou comigo e tentou me explicar que o namoro era diferente para os meninos e para as meninas. Que os meninos tinham "necessidades" diferentes e precisavam respeitar as namoradas e por isso eles arrumavam algumas outras meninas pra sair. Eu não tinha noção da quantidade de machismo e mitos contido nisso tudo, mas ainda assim não concordei, não entendia porque seria diferente pro homem e pra mulher, achei que não fazia nenhum sentido. 

Eu devia ter uns 12 anos na época. Continuamos o debate e em um dado momento eu disse: então se o problema é antes de casar, depois de casar não tem desculpa, certo? O homem já vai ter todas as suas "necessidades" preenchidas e não vai precisar procurar nenhuma mulher fora de casa. Eu não lembro o que ele me respondeu, mas lembro que com um olhar triste me perguntou: se você descobrisse que eu traio a sua mãe você iria me perdoar? E eu disse que não, nem em mil anos eu voltaria a falar com ele. Mais ou menos um ano depois meu pai sofreu um acidente de moto e morreu na hora. Alguns meses depois eu soube que ele tinha uma amante, que estava inclusive pensando em se separar para morar com ela. Um amigo íntimo contou pra minha mãe, um tempo depois, que ele temia muito mais que eu descobrisse do que ela. O machismo não faz mal só para as mulheres. Alguns meses depois da morte dele eu descobri e não consegui sentir raiva nenhuma, não me coloquei no lugar da minha mãe, não pensei como mulher. Naquele momento eu era apenas um filha que gostaria de ter o pai de volta de qualquer jeito.

Eu conto esta história para ilustrar que eu sempre fui feminista e não sabia. Eu não tenho a menor lembrança de ter aprendido o que era feminismo na escola, em alguma aula de história ou outro momento qualquer. Com a morte do meu pai minha mãe ficou sem norte, ela não sabia administrar as finanças, ela não tinha formação pra procurar um emprego. A única coisa que eu pensava nessa época é que não queria ser como ela, não queria casar tão cedo, nunca iria depender de homem nenhum, tinha orgulho de não saber cozinhar, achava as princesas e as mocinhas de novela umas abestalhadas por mudarem completamente as suas vidas por causa de um homem. Não estou aqui dizendo que tudo isso é feminismo. Eu sempre fui feminista, mas também tinha - e se duvidar ainda tenho escondida - uma parcela de machismo em mim, pacote da minha criação, além de uma pitada de revolta juvenil daquela época :)

Ai fui crescendo, passei no vestibular, cursei a universidade, entrei pra faculdade de computação, local predominantemente masculino, comecei a ganhar meu próprio dinheiro, mudei de estado, fui fazer mestrado,  trabalhar de novo e comecei a me deparar com os mil papéis que eu era incentivada, pra dizer o mínimo, a assumir. E em alguns momentos questionei porque danado aquelas mulheres inventaram de queimar sutiã na rua, era tão mais fácil quando a pessoa só precisava ser dona de casa, agora tinhamos que ser mil em uma?!?!?! 

Acho importante admitir isso porque este pensamento demonstrava um total desconhecimento meu do que é o movimento feminista. Por quantas vezes eu não me via comentando que o feminismo era o contrário do machismo? Que o bom era direitos iguais??!?!  Parece piada pensar nisso hoje, mas eu já pensei assim e não faz nem muito tempo. O pior é que eu nunca parei pra questionar nada, nem ninguém chegou pra mim e disse: feminismo é isso, machismo é aquilo. Foi simplesmente o resultado de anos e anos de mensagens subliminares, de quem quer enfraquecer o movimento, de quem quer continuar vendo as mulheres em posição inferior, de quem quer continuar mantendo um modelo de poder e privilégios.

Então, apesar do tema do post ser: como me tornei feminista, pra mim deveria ser, quando tomei consciência de que sou feminista. Até porque, pra ser sincera, tem como ser mulher e não ser? :) Isso aconteceu ano passado, quando conheci a vadia Patrícia Sampaio, que não só é feminista como é ativista. E esta parte do ativismo é muito importante, pois foi por ela se colocar no mundo - virtual e real - que eu conheci os pensamentos dela. E pude perceber ao ler os posts no facebook sobre o assunto que eu concordava com tudo aquilo. Então pensei: perae, eu concordo e faço várias destas coisas, então eu sou feminista?? :) :) :)  Eu agradeço muito a ela por ter me ajudado nesse despertar. Hoje percebo o quanto o movimento ainda é importante, ainda é necessário e mesmo com minha vida de privilégios, ainda não estou imune a tudo que o machismo proporciona no mundo, ainda não estou imune a sofrer violência, a ser estuprada e ser acusada de ter causado este esturpo, ainda estou sujeita a ganhar menos que um homem, mesmo quando posso estar exercendo um trabalho melhor, ainda tenho minha liberdade de ir e vir extremamente limitada pelo simples fato de ser mulher.

Enquanto tudo isto existir eu vou dizer com muito orgulho: sou feminista sim! E vou fazer a minha parte, vou me colocar, vou escrever neste blog e em todos os outros canais possíveis, vou sair na rua na Marcha das Vadias, vou protestar pelo fim da impunidade nos crimes de violência contra a mulher, vou boicotar marcas e produtos que estimulem a cultura do estupro, enfim, tudo que me for possível fazer para contribuir com a construção de uma sociedade onde todos seremos vistos como seres humanos!





4 comentários:

  1. Que lindo relato!

    Fiquei emocionada =')

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  2. massa, erika :) fico no aguardo do teu post, ju das dores :* :)

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  3. Ótimo depoimento!
    O facebook foi muito importante pra mim também! Afinal, pude encontrar esse povo lindo e hoje estamos aqui ^^

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